Entrevista com o pesquisador da área de Materiais Edgar Dutra Zanotto, vencedor do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia.


Neste mês de abril foi anunciado o vencedor da edição 2012 do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia, honraria concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com a Fundação Conrado Wessel (FCW) e a Marinha do Brasil, para pesquisadores que tenham se destacado pela realização de obra científica e tecnológica de reconhecido valor para o progresso de sua área.

O professor Edgar Dutra Zanotto. Crédito: Enzo Kuratomi/ UFSCar.

O laureado nesta oportunidade é o professor Edgar Dutra Zanotto, um dos fundadores da nossa SBPMat.

Há 36 anos, Zanotto vem desenvolvendo pesquisas na área de Materiais, mais precisamente em temas relacionados a vidros e vitrocerâmicas. As vitrocerâmicas são materiais policristalinos produzidos pela cristalização interna catalisada de certos vidros, cujas propriedades físico-químicas podem ser concebidas pelo controle da composição química do vidro progenitor, do tipo e quantidade de agentes de nucleação e por tratamentos térmicos adequados, que conduzem a nano e microestruturas projetadas. Elas têm múltiplos usos; podem substituir pedras caras e escassas, como mármore e granito, ser usadas em armaduras balísticas e, até mesmo, como dentes e ossos artificiais.

O cientista premiado é autor de 160 artigos publicados em periódicos internacionais indexados, os quais contam com mais de 2.500 citações. Orientou quarenta mestres e doutores e mais de vinte projetos de pós-doutorado. Realizou projetos em parceria com 22 empresas e tem 12 patentes depositadas no Brasil e no exterior.

Zanotto graduou-se em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 1976. É mestre em Física pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Tecnologia de Vidros pela Universidade de Sheffield (Reino Unido). Atualmente é professor titular da Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV), criado por ele em 1977. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) desde 1998 e Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico desde 2006. O prêmio Almirante Álvaro Alberto é o mais recente dentre os 25 prêmios que recebeu ao longo de sua carreira.

Segue uma entrevista com o laureado.

Boletim da SBPMat (B. SBPMat): – Conte-nos um pouco sobre sua história: o que o levou a se tornar um pesquisador da área de Materiais?

Edgar Dutra Zanotto (E.D.Z.): – Desde criança sonhava em me tornar um “inventor”. Ingressei por acaso no curso de Engenharia de Materiais na UFSCar em 1972. Em 1976, já no quinto ano do curso, após realizar um estágio de seis meses numa empresa ceramista, decidi seguir a carreira acadêmica e já procurei uma bolsa de iniciação científica.
Minha carreira foi nucleada logo na graduação. Um ponto determinante foi o ingresso na UFSCar, na terceira turma do curso de Engenharia de Materiais, o primeiro na América do Sul. As condições não eram as melhores naquela época e nós tivemos que participar da construção do curso. Mas isso foi muito bom porque nos envolvemos bastante na elaboração e aprimoramento da grade curricular, com inúmeras discussões e críticas construtivas; a situação cobrou uma atitude pró-ativa dos estudantes.
O Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) da UFSCar começou com a aprovação pelo chefe do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa), Dionísio Pinatti, para que eu iniciasse estudos com materiais vítreos. Cursei o mestrado no Instituto de Física e Química da USP em São Carlos (IFQSC-USP), já pensando no doutorado no exterior. Fui aceito pela Universidade de Sheffield na Inglaterra e procurei aproveitar o doutorado ao máximo, pois já tinha a ideia de montar um grupo de pesquisas na UFSCar. Tudo foi se desenvolvendo aos poucos, com muito esforço.
Atualmente os cursos de graduação e pós-graduação do DEMa são reconhecidos por sua qualidade, tanto no Brasil quanto no exterior. A reputação do LaMaV do DEMa e seus pesquisadores é fruto de trabalho contínuo e muita dedicação. Atualmente, o LaMaV também conta com a ativa participação dos professores Ana Cândida Martins Rodrigues e Oscar Peitl, e do visitante russo Vladimir Fokin. Obrigado colegas!

B.SBPMat: – Na sua própria avaliação, quais são as suas principais contribuições à Ciência e Engenharia de Materiais?

E.D.Z.: – Com o inestimável auxílio de dezenas de coautores, nossa pesquisa tem-se concentrado no estudo e entendimento da cinética de cristalização e propriedades de vidros e vitrocerâmicas.
Os trabalhos de pesquisa fundamental incluem: os efeitos da separação de fases líquidas na nucleação de cristais; testes e desenvolvimento de modelos de nucleação de cristais, crescimento e cristalização; formação de fases metaestáveis; cristalização em superfícies; estabilidade frente à devitrificação espontânea; capacidade de vitrificação de líquidos; correlações entre a estrutura molecular e o mecanismo de nucleação; sinterização com cristalização simultânea, e processos de difusão que controlam a cristalização. Estes foram revistos recentemente na parte I de uma edição especial do International Journal of Applied Glass Science [1]. Alguns desses trabalhos levaram a avanços significativos no desvendamento dos mecanismos de cristalização de vidros óxidos.
Especial impacto na mídia nacional e internacional tiveram dois artigos publicados no American Journal of Physics, no período 1998-1999 [2-3]. Esses artigos desmascararam a lenda urbana de que as vidraças de antigas catedrais são mais espessas no fundo porque o vidro fluiu lentamente ao longo de séculos!
Nossos estudos de natureza tecnológica sobre o desenvolvimento e caracterização de vitrocerâmicas são revistos na parte II da edição especial do International Journal of Applied Glass Science [4].
Nesses artigos, concluímos que, apesar do significativo avanço no conhecimento sobre vários aspectos de transformações de fases – que resultaram de nossas próprias pesquisas e de outros grupos – a cristalização de vidros continua a ser um campo riquíssimo, aberto para ser explorado.

Referências
[1] ZANOTTO, E.D. “ Glass Crystallization Research – A 36-Year Retrospective. Part I, Fundamental Studies”. International Journal of Applied Glass Science – Part I, 2013, in press.
[2] ZANOTTO, E.D. “Do Cathedral Glasses Flow?“. Am. J. Physics 66 (5), 1998, pp. 392-95.
[3] ZANOTTO, E. D. and GUPTA, P. K. “Do Cathedral Glasses Flow? Additional Remarks“. Am. J. Physics 67 (3), 1999, pp. 260-262.
[4] ZANOTTO, E.D. “Glass Crystallization Research – A 36-Year Retrospective. Part II, Glass-ceramics”.  International Journal of Applied Glass Science – Part II, 2013, in press.

 B.SBPMat: – Quais foram os principais fatores que o ajudaram a construir sua trajetória como pesquisador, agora destacada com o Prêmio Álvaro Alberto?

E.D.Z.: – Estenderei aqui o que já relatei em recente entrevista ao CNPq. Após retornar de um estágio industrial, já no último ano do curso de Engenharia de Materiais, fui agraciado com uma bolsa de iniciação científica (IC) sob a tutela do experiente professor visitante Osgood J. Wittemore, da Universidade de Washington. Esse outro ensaio foi fundamental para a minha contratação como professor auxiliar de ensino pela UFSCar, no próprio curso de Engenharia de Materiais, em dezembro de 1976. Naquela época eu era recém-formado, mas devido à carência de pessoal qualificado em Ciência e Engenharia de Materiais, fui contratado.
Então percebi que, para ter êxito na carreira acadêmica, era absolutamente necessário aprofundar-me em ciência, sem, entretanto, mudar-me de São Carlos (meu contrato com a UFSCar obrigava-me a ministrar aulas). Resolvi essa equação matriculando-me no curso de mestrado do então IFQSC, na USP de São Carlos, sob a orientação do competente professor Aldo Craievich. Concomitantemente com minhas atividades docentes na UFSCar, com muito esforço concluí e defendi a dissertação de mestrado no IFQSC-USP em um ano e meio. Por indicação de Aldo, fui aceito em 1979 por meu orientador de doutorado na Universidade de Sheffield, no Reino Unido, o famoso professor Peter James. Defendi a tese em 1982. Muito obrigado pela confiança, Aldo e Peter!
Nas duas décadas seguintes, com o auxílio de alguns colegas, continuamos a construção e o aparelhamento do LaMaV e do próprio DEMa-UFSCar com recursos da Fapesp, CNPq, Pronex, Capes e empresas. Foi também extrema sorte ter realizado educativos estágios sabáticos na Universidade do Arizona em 1987, na Universidade de Ferrara (Itália) em 1992, e na Universidade da Flórida Central em 2005, sob o competente comando de Michael Weinberg, Annamaria Celli e Leonid Glebov, respectivamente, com os quais mantive profícua colaboração durante vários anos. Os lugares não foram tão importantes; as pessoas, sim. Grazie mille, Anna. Thanks a lot, guys!
Nesse período realizamos vários projetos de pesquisa básica e tecnológica com auxílio de agências públicas e empresas.
Riquíssima e inesquecível foi a experiência de participar ativamente da Diretoria Científica da Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) durante a criativa e eficiente gestão do comendador José Fernando Perez, entre 1995 e 2005. Nesse período concebemos, implantamos e administramos, com sucesso, novos e paradigmáticos programas de fomento à pesquisa, que mudaram radicalmente o vigor e a visibilidade da ciência e tecnologia. Por exemplo, os programas Genoma, PIPE, Consitec, Nuplitec, CEPID, Scielo, a revista Pesquisa Fapesp e outros. Nessa educativa década tive a sorte de reunir-me semanalmente com o próprio Perez, e os competentes e espirituosos Coordenadores Adjuntos da Diretoria Científica: Antonio C. Paiva, Luiz Nunes de Oliveira, Francisco Coutinho, Rogério Meneghini, Walter Colli, Luis Eugenio Mello, Luiz Henrique Lopes dos Santos e Paula Montero (grupo carinhosamente batizado por Perez como a “Incrível Armada”!). Sou imensamente grato a vocês, meus caros, pela agradável convivência e os valiosos ensinamentos!
Finalmente, devo enfatizar que tive a ventura de selecionar e conviver com excelentes alunos e colaboradores do Brasil e do exterior, ao longo destes 36 anos. E sempre fico extremamente satisfeito quando encontro um aluno talentoso ou motivado, elemento fundamental para a evolução do sistema!
Portanto, minha carreira resultou da soma de todas essas atividades.

B.SBPMat: – Você coordena há mais de três décadas o Laboratório de Materiais Vítreos, que atrai cientistas do mundo todo. Comente como consegue manter um padrão internacional de excelência em seu grupo.

E.D.Z.: – A receita é simples, sua implementação nem tanto. Segue parte da estratégia que temos utilizado no LaMaV:
– Escolha um ou dois assuntos relevantes e desafiadores e aprofunde-se; permaneça um bom tempo com ele(s), não mude de tema frequentemente à busca de modismos;
– Ao pesquisador experimental (maioria): para otimizar o caro e trabalhoso processo de experimentação, estude a literatura, planeje, calcule ou simule antes de imergir no laboratório;
– Cerque-se de alunos e colaboradores competentes e motivados e, preferivelmente, bem-humorados!;
– Cuide e dê atenção aos seus alunos, pós-docs e colaboradores. A pesquisa experimental é quase sempre realizada por equipes;
– Participe dos melhores congressos internacionais sobre o seu tema favorito;
– Realize estágios periódicos em outros grupos/instituições comandados por pesquisadores experientes;
– Convide ao seu laboratório e conviva com colaboradores estrangeiros, eles trazem culturas distintas e quase sempre relevantes;
– Procure sempre uma retaguarda teórica, uma explicação para os seus resultados experimentais;
– Tenha muito cuidado com a redação de seus artigos científicos. Estude a literatura, escreva, reflita, releia e peça a opinião crítica de colegas competentes antes de publicá-los;
– Privilegie a qualidade (não a quantidade)!
Ah, também recomendo comemorar as bolsas e prêmios recebidos, defesas de tese, aniversários, e realizar um happy hour nas sextas-feiras…

B.SBPMat: – Gostaria de deixar alguma mensagem para nossos leitores que estão construindo suas carreiras de pesquisadores em Materiais, seja na academia ou na indústria?

E.D.Z.: – Se vocês não gostarem muito de pesquisa e ensino, e não estiverem dispostos a dedicar longas jornadas ao trabalho, recomendo procurar outra atividade!
Sejam fluentes em português e inglês, estudem e atualizem-se em Matemática, Física e Química. Sejam objetivos e econômicos. Cuidem desde cedo da saúde física e mental e, finalmente, sigam os conselhos do item anterior!
E basta, senão estes conselhos poderão causar um contraefeito…


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