Foi na escola pública, durante o Ensino Médio, que Ingrid David Barcelos ouviu falar pela primeira vez em vestibular. Ninguém do seu entorno, na periferia de Belo Horizonte, tinha feito faculdade, mas ela demonstrava interesse pela Física, e os professores da escola a incentivaram a se preparar para fazer um curso universitário.
Com muita dedicação aos estudos, Ingrid conseguiu passar na Universidade Federal de Minas Gerais (UFGM) e obter os diplomas de licenciada e bacharel em Física. Inicialmente, ela pensava em exercer a docência, mas, na universidade, ela conheceu a profissão de pesquisadora, na qual começou a se formar com um projeto de iniciação científica sobre nanotubos de carbono e grafeno.
Depois disso, apesar de ter tido apenas uma mulher e apenas um negro como professores na graduação, a jovem mulher negra decidiu seguir a carreira acadêmica, fazendo o mestrado e depois o doutorado, ambos com pesquisas sobre materiais bidimensionais, no prestigiado Programa de Pós-graduação em Física da UFMG. Durante o doutorado, ela passou um período no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Então, começaram os prêmios. A sua tese de doutorado foi vencedora do Prêmio José Leite Lopes da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2016 na categoria Astronomia e Física.
Depois de dois anos de pós-doutorado na UFMG, que incluíram estágios de pesquisa na Itália, em um laboratório de Fotônica Avançada do CNR-NANOTEC, ela passou a fazer parte do time de pesquisadores do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do CNPEM, onde atualmente, aos 38 anos, lidera o Laboratório de Amostras Microscópicas do Sirius.
Em 2021, Ingrid ganhou o Prêmio Para Mulheres na Ciência – Ciências Físicas, concedido pela L’Oréal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências (ABC). E agora, em outubro de 2024, foi escolhida entre 13 excelentes candidatas como vencedora da primeira edição do Prêmio para Mulheres Cientistas em Início de Carreira da SBPMat.
Conheça um pouco mais desta destacada jovem cientista na entrevista que ela concedeu ao Boletim da SBPMat.
Boletim da SBPMat: O prêmio da SBPMat foi um reconhecimento à qualidade e impacto da sua produção científica dos últimos 5 anos, incluindo o trabalho que você apresentou no XXII B-MRS Meeting. Deixe algumas dicas para os membros mais jovens da nossa comunidade sobre como chegar a esses resultados.
Ingrid Barcelos: Para alcançar resultados com impacto significativo, algumas estratégias foram essenciais para mim, e acredito que podem ajudar outros jovens pesquisadores:
– A escolha do tópico é importante. Dedique-se a temas que apresentem lacunas de conhecimento ainda pouco exploradas. Para isso, estar atualizado nas publicações recentes e tendências de pesquisa é fundamental.
– Colaborações em diferentes áreas e com teóricos ampliam as perspectivas do trabalho e podem trazer novos insights que tornam a pesquisa mais rica e completa. Isso aumenta as chances de produzir artigos inovadores.
– A qualidade dos resultados depende do rigor nos métodos. Aconselho muito investir em técnicas avançadas e metodologias que tragam informações novas, tornando assim o trabalho mais relevante para a comunidade científica.
– Paciência e persistência! Publicar em revistas de alto impacto muitas vezes exige diversas revisões e até reformulações do estudo. Não desanime diante de críticas CONSTRUTIVAS, elas são oportunidades para aprimorar o trabalho e torná-lo ainda mais sólido e impactante.
Boletim da SBPMat: Fale um pouquinho sobre os trabalhos de pesquisa dos quais você se orgulha mais.
Ingrid Barcelos: O artigo do qual mais me orgulho é o meu primeiro trabalho como autora correspondente, publicado na Nature Communications em 2021. Esse marco representa um avanço pessoal e profissional importante na minha carreira, simbolizando meu crescimento como pesquisadora independente. Ele me trouxe a responsabilidade de coordenar e orientar todas as etapas da pesquisa e redação, além de fortalecer colaborações com outros pesquisadores. Esse papel foi essencial para o meu desenvolvimento em gestão científica e na consolidação de redes de colaboração.
Esse estudo investiga o comportamento de nanofitas de SnO₂, um material amplamente conhecido, empregando uma técnica experimental avançada que nos permite observar, na nanoescala, a interação das vibrações da rede cristalina com a luz, revelando fenômenos de confinamento óptico. Exploramos como essas interações podem ser ajustadas, abrindo caminho para aplicações em tecnologias optoeletrônicas em uma faixa de energia ainda pouco explorada na literatura: a região de terahertz.
Boletim da SBPMat: Quais são, para você, as situações mais gratificantes da profissão de cientista?
Ingrid Barcelos: As situações mais gratificantes para mim vão além das vivenciadas no laboratório, como as seguintes:
Os projetos de extensão me permitem ver o brilho nos olhos das alunas ao aprenderem sobre ciência e perceberem o impacto da pesquisa em suas vidas. A curiosidade delas é inspiradora e reforça a importância de tornar a ciência acessível para todos. Ser uma referência para meninas negras e inspirá-las a enxergar a ciência como uma possibilidade de carreira é extremamente gratificante. Poder mostrar a elas que têm espaço e podem prosperar no campo científico é uma motivação constante no meu trabalho e um compromisso que levo com orgulho.
Boletim da SBPMat: A partir das suas vivências, o que você acha que entidades como a SBPMat podem fazer para que mais mulheres negras possam se tornar cientistas destacadas?
Ingrid Barcelos: Acredito que entidades como a SBPMat podem desempenhar um papel fundamental na promoção de um ambiente mais inclusivo e de oportunidades igualitárias para mulheres negras na ciência. Com base nas minhas vivências, vejo algumas iniciativas que podem fazer a diferença, como promover espaços de diálogo onde mulheres negras possam compartilhar suas experiências e discutir estratégias de apoio mútuo, fortalecendo a rede de cientistas e criando um senso de pertencimento. Além disso, incentivar bolsas de estudo e financiamento exclusivos para mulheres negras em projetos de pesquisa é essencial, pois amplia as oportunidades e reduz as desigualdades, possibilitando que mais mulheres desenvolvam suas carreiras de forma independente. Ampliar a visibilidade das conquistas dessas cientistas também é importante, com prêmios, eventos e publicações que reconheçam seu trabalho, inspirando novas gerações e mostrando que o sucesso é possível. Essas ações, juntamente com políticas institucionais de inclusão, contribuem para uma ciência mais diversa e rica, onde mulheres negras possam se destacar e inspirar futuras gerações.
Boletim da SBPMat: Deixe uma mensagem para as meninas negras que estão iniciando uma carreira de cientistas no Brasil ou estão cogitando essa possibilidade.
Ingrid Barcelos: Acreditem no potencial de vocês e não deixem que ninguém limite seus sonhos! Muitas vezes é difícil encontrar exemplos que se pareçam com você na ciência, mas isso não significa que você não tem espaço aqui. Muito pelo contrário: a ciência precisa das suas perspectivas, da sua coragem e da sua determinação. Sempre que possível, cerquem-se de pessoas que apoiem o seu crescimento. A diversidade enriquece a ciência, e estarei torcendo para que cada uma de vocês alcance todo o seu potencial! Não será fácil, mas valerá a pena!