Gente da nossa comunidade: Entrevista com Victor Carlos Pandolfelli.


Victor Carlos Pandolfelli, professor titular do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (DEMa – UFSCar), foi empossado como membro do advisory board  da World Academy of Ceramics (WAC) em cerimônia realizada no dia 11 de junho em Montecatini Termi (Itália), durante a International Conference on Modern Materials and Technologies (CIMTEC). Na ocasião também foi realizada a primeira reunião do advisory board. Eleito para o mandato 2014 – 2018, Pandolfelli é um dos dois representantes das Américas no período, junto a um pesquisador dos Estados Unidos.

Graduado em Engenharia de Materiais pelo DEMa – UFSCar (1979), Victor Carlos Pandolfelli vem pesquisando temas da área de materiais cerâmicos desde os tempos de seu mestrado, defendido em 1984 no DEMa-UFSCar. Foi também nessa área a pesquisa de seu doutorado na University of Leeds (Reino Unido), concluído em 1989, e do estágio de pós-doutorado realizado de 1996 a 1997 na École Polytechnique de Montreal, no Canadá.

Pandolfelli é membro titular da Academia Brasileira de Ciências e fellow da American Ceramic Society, além de membro da WAC. Participa ou participou do comitê editorial das revistas Interceram, Refractories Manual e Refractories World Forum (Alemanha), Materials Research, Revista Cerâmica e Journal of Materials Research and Technology (Brasil), China’s Refractories (China), Cerámica y Vidrio (Espanha), Refractory Applications, Refractories Applications Transactions e American Ceramic Society Bulletin (EUA), e Ceramics International (Itália).

É professor visitante da Wuhan University of Science and Technology (China) e coordenador latino-americano da Federation for International Refractories Research and Education (FIRE) uma organização que envolve universidades em diferentes países e empresas líderes na área de refratários. Desde 1993, coordena o Laboratório ALCOA (Aluminum Company of America) na UFSCar.

Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq – nível 1 A, é coautor de mais de 400 trabalhos publicados em revistas com árbitro, um livro e oito patentes depositadas. Orientou 50 mestrados e 16 doutorados. Muitos trabalhos desenvolvidos por ele ou com sua orientação foram distinguidos em premiações promovidas por entidades como a German Ceramic Society (Alemanha), Technical Association of Refractories of Japan, American Ceramic Society, Petrobras, Confederação Nacional das Indústrias, Associação Brasileira de Alumínio, Associação Brasileira de Cerâmica, Alcoa Aluminio S.A., Magnesita S.A. e ABM, entre outras. Em suas atividades profissionais, interagiu com 380 colaboradores em coautorias de trabalhos científicos.

Segue nossa entrevista com o pesquisador.

Conte-nos um pouco sobre sua história: o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar na área de materiais cerâmicos?

O primeiro aspecto que gostaria de ressaltar é que a vida é feita por escolhas que muitas vezes não são bem lógicas nem planejadas. Na verdade eu fiz Engenharia de Materiais e, a princípio, pensava em trabalhar na área de metais, mas durante meu estágio curricular em uma empresa durante a graduação, tive que atender uma demanda em materiais cerâmicos. Sendo assim, me formei tanto com especialidade em metais quanto em materiais cerâmicos. Em uma época em que a indústria oferecia mais empregos e melhores salários, desconsiderei este cenário e resolvi fazer mestrado em cerâmica no recém-criado programa de Engenharia de Materiais da UFSCar. Logo depois que eu entrei no mestrado, surgiu um concurso de professor na UFSCar. Eu prestei, fui aprovado e aí a minha vida se tornou realmente dedicada a materiais cerâmicos.

O ponto de virada profissional em termos de avanços aconteceu com o doutorado e pós-doutorado no exterior, quando a rede de contatos aumentou tremendamente, assim como a visibilidade do trabalho que estava coordenando. Outro aspecto que colaborou muito é que, desde o início, eu me empenhei em fazer projetos com empresas, os quais me ensinaram a fazer uma pesquisa que eu considero “pesquisa básica inspirada no uso”. Com isso, pude conciliar muito bem os fundamentos aprendidos e desenvolvidos na universidade com as necessidades da indústria, e também criar oportunidades para que os alunos pudessem realizar estágios e a gerar empregos.

Essa “pesquisa básica inspirada no uso” é uma via de duas mãos que estão continuamente interagindo entre si para criar uma ponte sólida entre a universidade e  a indústria. Nós, pesquisadores, precisamos entender as necessidades da indústria e usar as ferramentas que temos na universidade em pesquisa e fundamentação para podermos auxiliar a empresa a resolver problemas reais. Muitas vezes, é através de um problema real que nós somos motivados a entender os fundamentos, e a partir desses,  visualizarmos novas oportunidades de aplicação e geração de tecnologia.

Esse caminho que escolhi possibilitou que hoje eu participe da Federação Internacional de Materiais Cerâmicos para Alta Temperatura, a FIRE, que é uma organização sem fins lucrativos que reúne onze universidades ao redor do mundo e dezessete empresas do setor. O objetivo da FIRE é investir na formação de alunos em nível de mestrado e doutorado, dando suporte financeiro para que eles passem de seis meses a um ano em universidades ou empresas filiadas e, dessa maneira, tenham uma vivência internacional e possam aplicar ou complementar seus conhecimentos na área.

Sendo assim, a minha vida como pesquisador de materiais cerâmicos começou mais acidentalmente, e hoje, na verdade, ela é em engenharia de sistemas complexos, visto que, atualmente, nenhum material é apenas definido por uma única área de atuação.

Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Desde que me tornei professor universitário, meu projeto na área profissional sempre foi estabelecer três pilares, os quais se retroalimentam e são os fundamentos de tudo que eu faço: o ensino, a pesquisa e a parceria industrial. Esse ciclo é vital para que, através do ensino, eu tenha contato com os bons alunos, tenha oportunidade de convida-los para realizar pesquisas e que possam posteriormente servir a indústria nacional e internacional ou a academia. Só através de uma boa parceria que nós detectamos as necessidades da indústria e podemos ilustrar nosso ensino por meio da aplicação dos fundamentos, de forma que não fiquem áridos e possam ser recheados com as necessidades da indústria.

Na parte de ensino, com certeza a formação de pessoas que estão na área acadêmica e industrial desenvolvendo ótimos trabalhos seria o ponto fundamental da minha contribuição na educação. Como diz a tradição, um bom professor é avaliado pelo número de pessoas que formou e são melhores que ele. Felizmente, hoje tenho alunos que estão muito bem empregados, tanto na área de pesquisa, quanto na de ensino, quanto nas empresas – o que mostra que a contribuição gerou frutos.

Na parte de pesquisa, o aspecto principal na minha auto-avaliação foi a seleção de uma área complexa para ser desenvolvida, com grande oportunidade de aprofundar e testar os conhecimentos. Quando eu fiz meu doutorado em cerâmicas avançadas senti, ao voltar ao Brasil, muita dificuldade em tornar esse assunto uma área de pesquisa. No entanto, os conhecimentos embutidos poderiam ser facilmente transportados para outras necessidades do país. Foi ali que eu visualizei que o que eu tinha aprendido poderia ser muito útil para a indústria de aço, metalurgia, alumínio e materiais para alta temperatura. Então, eu  adaptei os conhecimentos para a realidade local em vez de tentar trazer o estudo internacional para uma aplicação direta no Brasil em cerâmicas avançadas, a qual até hoje tem um mercado incipiente. Dentro desse cenário, a minha pesquisa procurou entender as etapas do ciclo produtivo dos materiais para alta temperatura. Eu defini uma estratégia de, a cada quatro ou cinco anos, me dedicar a um dos tópicos que envolve o ciclo produtivo e de entendimento desses materiais. Isso fez que, ao longo de mais de 20 anos trabalhando na área, tivesse conhecimento de todo o ciclo, e não apenas de informações coletadas da literatura. Como resultado, estamos escrevendo um livro que será publicado até o final do ano em inglês por uma editora alemã, recheado com os resultados das pesquisas que nós realizamos envolvendo desde as matérias primas, processamento, até as propriedades e as simulações, dando uma visão muito clara e profunda da engenharia de microestruturas em materiais cerâmicos para alta temperatura.

Na área de parcerias industriais, que é o terceiro pilar, diria que não tem forma de se fazer engenharia só no laboratório. Precisamos saber como o mercado atua, precisamos aprender a colocar prazos, a expor o conhecimento ao teste industrial, entender que o material é apenas um item do todo. Isso, eu devo muito às minhas parcerias industriais que sempre me acompanharam, desde que eu terminei o doutorado. Nós temos parcerias que já duram 24 anos contínuos, como é o caso da Alcoa alumínio, na qual várias pessoas foram formadas em nível de mestrado e doutorado, sendo alguns  funcionários da empresa. Várias outras indústrias nacionais e internacionais também contribuíram para gerar este ambiente de pesquisa básica inspirada no uso. Temos fortes parcerias com a Petrobras, com a Magnesita, que é uma empresa para cerâmicas para alta temperatura, com a FIRE, etc. Dessa forma, grande parte dos recursos  e oportunidades do grupo hoje são provenientes de parcerias industriais ou de federações que trabalham nessa ponte empresa-universidade.

Quais são, na sua opinião, os principais desafios atuais para a Ciência e Engenharia de Materiais?

Eu ressaltaria dois grandes desafios. Um seria o projeto  “genoma dos materiais”. Com a necessidade de reduzir os tempos e custos de pesquisa, cada vez mais é necessário criar uma base de conhecimento que possa por meio de simulações minimizar o tempo de experimentação laboratorial e chegar o mais rápido possível ao resultado desejado.  Esse “genoma dos materiais” consistiria em detectar o seu DNA e tentar,  associando ferramentas computacionais, chegar cada vez mais rápido ao conceito de novos materiais ainda não imaginados pela tecnologia atual. Então eu visualizo que o laboratório de materiais do futuro terá menos equipamentos, equipes multidisciplinares e mais computadores de alta velocidade de processamento, os quais darão uma ideia mais objetiva do que fazer no laboratório para se chegar aos novos materiais.

Outro grande desafio é a impressão 3D, que compõe a classe conhecida como additive manufacturing, a qual tem despontado com uma força tremenda, visto que as empresas têm percebido que o custo da mão de obra nos países em desenvolvimento já está muito caro. Numa primeira instância, as indústrias em países desenvolvidos começaram a perceber que os produtos manufaturados ficariam não competitivos se fabricados em outros locais. Então, numa primeira onda, levaram a produção para países em desenvolvimento. Mas ao longo do tempo o ambiente mudou, e em países como a China e o Brasil a mão de obra está começando a ficar muito cara. Associado a isto a legislação que rege a exportação e as suas respectivas taxas só agravam este cenário. Então, países como Alemanha e Estados Unidos estão voltando a produzir em casa utilizando um processo totalmente automatizado por meio da impressão 3D, que se assemelha a uma impressora comum, só que, ao invés de imprimir X Y, imprime X Y Z e, ao invés de usar tinta, usa materiais. Esta impressão 3D está simplesmente revolucionando todo o mercado visto que hoje já é possível se ter uma impressora de materiais em casa e fazer o build yourself de joias, brinquedos, etc . Adicionalmente, já se está fazendo a parte de implantes, utilizando as próprias células-tronco como elemento para criação dos órgãos em impressão 3D.

Com essa técnica, associada ao primeiro item que citei, a simulação, teremos novos materiais, incapazes de serem produzidos pelo processamento tradicional. Essa ideia que estou colocando para você foi a que eu levei para a minha primeira reunião do advisory board da WAC. Ela foi tão bem recebida pelo comitê que se tornou o tema do fórum fechado aos membros da academia daqui a dois anos, que congregará os melhores pesquisadores e empresas do mundo que estão se dedicando a essa área.

Outro ponto interessante para complementar é que nós estamos vivenciando o momento da Engenharia de Sistemas Complexos. Não se fala mais em área de especialização. O que nós precisamos mais do que nunca é a soma do conhecimento das diversas áreas. Por exemplo, nessa área de materiais impressos tridimensionalmente, não basta apenas ter o equipamento. Nós precisamos ter programadores de computação, engenheiros mecânicos, de produção, de materiais, químicos, físicos, biólogos, gestores, todos trabalhando em sintonia, pois não estamos mais falando de conhecimentos que uma única pessoa seja capaz de deter.

Na sua avaliação, de que maneira você construiu o reconhecimento da comunidade internacional de pesquisa em cerâmica explicitado, por exemplo, na sua eleição como membro do advisory board da WAC?

Eu acrescentaria ao que já foi dito que toda conquista é um trabalho em equipe. São 34 anos de trabalho intenso em parcerias nacionais e internacionais, com indústrias e agências de fomento. Acredito que a formula padrão para se conseguir alguma coisa é: trabalho em equipe, persistência, se associar ao que há de melhor e se expor nacional e internacionalmente.

Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Minha resposta terá componentes tradicionais e outros não tão convencionais. A sugestão tradicional é amplamente conhecida: energia e dedicação, trabalho e suor. A parte não tradicional é não confundir as oportunidades que se tem hoje com as facilidades da vida. A vida não é fácil. A vida profissional é cheia de desafios e as oportunidades atuais vêm tornar a competição ainda mais acirrada. Agora a competição é global. Em qualquer lugar do mundo pode se fazer o que eu estou desenvolvendo no meu laboratório. Adicionalmente, todo jovem deve ficar muito atento que as empresas e as agências de financiamento vão buscar quem possa fazer melhor, da forma mais rápida e barata trazendo maior retorno para a sociedade.

Um ponto que eu gostaria de enfatizar é que o mundo real não é o Facebook, e que as conquistas são obtidas por muitas batalhas e muitas derrotas. Não existe esse universo virtual em que estamos sempre com pessoas famosas, desfrutando de vitórias e participando de festas.

Outro aspecto é que, devido às muitas oportunidades que se tem hoje, o jovem pega uma já olhando para outra, e não faz bem nenhuma delas. Em vez de se prender a um galho, está sempre pensando em pular para outro. Tem que tomar muito cuidado. Faça ao menos uma atividade bem feita de cada vez. Se estiver fazendo o mestrado, tenha uma boa produtividade, gere uma cadeia de relacionamentos e depois mude de assunto, se for o caso. As comunidades científicas não são tão grandes como a gente pensa.  Precisamos fazer, desde o princípio, um trabalho muito bom, de muita qualidade e com muito respeito ao grupo no qual se participa. O mundo dá volta muito rápido e, num futuro não distante, essas mesmas pessoas vão lhe abrir ou fechar as portas. Na vida profissional, até certo degrau, nós podemos subir pelas próprias competências, mas depois precisamos fortemente da inserção da comunidade nacional e internacional. Aí pode ser que eu precise das pessoas que eu deixei uma má impressão.


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